Coração fora do peito
É onde menos se espera que encontramos. E foi ali, num lugar de dor e de medo que encontrei a alegria e a força. Todos as pequenas conquistas são celebradas como uma euforia, e quase histerismo, de quem ganha o maior dos prémios. E é.
Lutas são travadas não por guerreiros ou militares, mas pelas mais inexperientes pessoas. Não são usadas armas de fogo ou bombas, mas lutam com todas as forças que têm e com as que não têm também.
Uma força sobrenatural nasce dentro do peito. Uma certeza inabalável de que a vitória é certa apodera-se. E, embora as forças físicas comecem a desvanecer, somos invadidos por uma energia extraordinária.
Estamos em junho e lá fora a chuva cai. Dizem os entendidos que o tempo está estranho e que não é normal para a época. O que importa quando a normalidade nos foi arrancada?
Temos o coração fora do peito. Numa mesa de bloco operatório. Numa cama de cuidados intensivos. O coração a pulsar tenuamente ao ritmo da chuva que cai.
Frágil. Disrítmico. Pulsa com a força que Deus lhe dá. E que força.
Um coração seguro pelas mãos de quem dedica a sua vida a cuidar das vidas de outros. Um coração que faz o nosso pulsar mais forte e mais lentamente ao ritmo de si mesmo. Um coração fora do peito.
Encontrei coragem, força, amor e esperança num lugar asséptico, cheio de normas e procedimentos. Um lugar que tinha tudo para ser frio e regulamentado. Mas, não.
Encontrei sorrisos e felicidade. Encontrei empatia, simpatia e compreensão. Encontrei amor.
Estou do outro lado, do lado de quem luta, com o coração fora do peito e vejo tantos outros corações fora do peito como eu. E, os corações unem-se. Os corações que temos fora e os que estão dentro, numa comunhão de corações.
Todos temos corações feridos. Todos somos cuidados. E, todos cuidamos. Sem a distinção mesquinha que o ser humano inventou para nos afastar uns dos outros. Somos melhores juntos.
Os corações pulsam ao ritmo do amor que nos nutre a alma e o corpo. Em uníssono. Apenas o amor a pulsar. O amor paciência, resiliente, resistente e autêntico.
Lá fora o tempo não é o normal para a época do ano. Chove e faz frio. Para nós, os com o coração fora do peito, a normalidade não é normal. A normalidade é viver intensamente o presente.
Nada é dado como adquirido e tudo é motivo de contemplação e regozijo. Vivemos com o coração fora do peito e esse é o nosso maior poder.
A todas as mães e pais de crianças com patologia cardíaca.
(Imagem do Google)